No leste da Groenlândia, em setembro de 2023, o colapso de uma geleira desencadeou um movimento de massa que resultou em um mega-tsunami de 200 metros de altura, uma das maiores ondas registradas em tempos recentes. Esse evento no fiorde Dickson chamou a atenção de pesquisadores ao redor do mundo, não apenas pelo tsunami, mas também pela vibração sísmica incomum que se seguiu. Essa vibração, que durou nove dias e foi detectada globalmente, deu início a uma ampla investigação científica.
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Encosta no Fiorde Dickson, no leste da Groenlândia, em 12 de agosto de 2023, antes do movimento de massa. Fonte: Søren Rysgaard. |
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A encosta após o movimento de massa, em 19 de setembro de 2023. Fonte: Exército Dinamarquês. |
Análise e Descobertas Científicas
Os pesquisadores começaram a investigar a origem do sinal incomum. Inicialmente, acreditava-se que pudesse se tratar de um terremoto, mas essa hipótese foi descartada rapidamente, pois os sinais sísmicos de terremotos são mais curtos e intensos. O que os sismólogos captaram foi um sinal contínuo e monótono, descrito como um “zumbido” sísmico. A investigação durou um ano e envolveu 68 especialistas de 15 países, que combinaram dados de satélites, simulações de tsunamis e registros sísmicos para elucidar o fenômeno.
A explicação está no fenômeno conhecido como seiche, um movimento oscilatório da água em espaços confinados, como os fiordes. No caso do fiorde Dickson, o tsunami gerado pelo movimento de massa, uma avalanche de rochas e gelo, ficou preso entre as paredes rochosas do fiorde, fazendo a água oscilar de um lado para o outro a cada 90 segundos. Essa oscilação durou mais de uma semana, gerando a vibração sísmica detectada ao redor do planeta. O evento demonstrou como o derretimento das geleiras e a instabilidade das encostas nas regiões polares estão gerando fenômenos geofísicos de grande escala.
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Gráfico dos sinais sísmicos registrados em função da distância do movimento de massa (1 grau = 110 km; 180 graus = antipodal à Groenlândia). Observa-se a propagação da frente de onda. |
Danos Causados pelo Evento
Apesar da magnitude do mega-tsunami, o evento ocorreu em uma região remota da Groenlândia, e não houve relatos de mortes ou feridos. No entanto, os danos foram consideráveis. O tsunami varreu locais históricos com séculos de existência, destruindo patrimônio cultural da região. Além disso, uma base militar desativada foi danificada pela força das ondas. Embora não houvesse pessoas presentes na base no momento, os cientistas alertaram que a rota do fiorde Dickson é uma via comumente utilizada por cruzeiros. Caso um navio estivesse na área durante o tsunami, as consequências poderiam ter sido devastadoras.
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Imagens de satélite mostram o topo da montanha e a geleira antes e depois de um movimento de massa. Fonte: Planet Labs. |
Mudanças Climáticas e Riscos Futuros
Este movimento de massa e o subsequente tsunami foram diretamente causados pelo aquecimento global. À medida que as geleiras ao redor do mundo continuam a derreter devido ao aquecimento global, grandes massas de terra e rochas, antes estabilizadas pelo gelo, tornam-se cada vez mais instáveis. No caso da Groenlândia, o derretimento constante enfraqueceu a base da montanha no fiorde Dickson, levando ao colapso. Regiões com fiordes similares, como Alasca, Canadá e Noruega, também estão vulneráveis a movimentos de massa seguidos por tsunamis de grandes proporções.
Esse evento reforça a evidência de que o Ártico está sendo profundamente transformado pelas mudanças climáticas, com a região aquecendo-se quatro vezes mais rápido que o restante do planeta. O fenômeno ilustra como o aquecimento global está levando a Terra a situações geológicas e climáticas inesperadas. Eventos extremos, como movimentos de massa e mega-tsunamis, poderão se tornar mais frequentes e perigosos no futuro.
Saiba Mais
Para saber mais sobre como as mudanças climáticas estão influenciando fenômenos geológicos extremos no Ártico, como o movimento de massa que gerou um mega-tsunami na Groenlândia e a ressonância sísmica global de nove dias, confira o estudo completo publicado na revista Science e demais: