Movimentos de Massa e o Impacto em Cadeias Montanhosas: Himalaias

As montanhas são frequentemente vistas como símbolos de força e permanência, mas mesmo essas enormes formações não estão imunes ao desgaste do tempo e das forças naturais do planeta Terra. Processos erosivos, como os movimentos de massa, têm um papel crucial no modelamento do relevo terrestre, especialmente em regiões de altitudes extremas, como o Himalaia. Um artigo de 2023 publicado na Nature trouxe à tona um evento de grandíssimo porte que esculpiu o Annapurna IV, uma das montanhas mais altas do mundo, localizada no Nepal.


Annapurna range
Annapurna IV, Nepal.


O Movimento de Massa que Reduziu o Annapurna IV

Um gigantesco movimento de massa ocorrido por volta de 1190 d.C. pode ter removido até 500 metros do topo do Annapurna IV, que hoje se eleva a cerca de 7.500 metros de altitude. Este evento teria deslocado cerca de 23 km³ de rocha e sedimentos, o equivalente a enterrar a cidade de Paris até a altura da Torre Eiffel, ou equivalente a 1.000 vezes os movimentos de massa registrados recentemente.

A magnitude dessa avalanche de rochas faz dele um dos maiores já registrados na Terra, e o impacto teria sido devastador para as áreas adjacentes, com o material deslocado viajando mais de 150 km ao longo dos vales.


Movimentos de Massa como Agentes de Erosão

Assim, uma nova luz foi lançada sobre a questão de como as montanhas mais altas do mundo param de crescer. Anteriormente, a hipótese predominante era o "serrote glacial", que sugere que as geleiras são responsáveis por limitar a altura das montanhas ao erodi-las continuamente.

No entanto, o Annapurna IV é uma montanha onde as geleiras não exercem mais um papel significativo, já que suas encostas são tão íngremes que as geleiras não conseguem se fixar e se tornar agentes erosivos. O movimento de massa, indicado no artigo, pode, portanto, ser uma das explicações do não crescimento contínuo dessas montanhas.


Evidências e o Papel do Clima Medieval

As investigações conduzidas e reportadas no artigo sugerem que o aquecimento global ocorrido durante a Anomalia Climática Medieval pode ter enfraquecido a base de Annapurna IV, levando ao colapso de seu topo. Alternativamente, a equipe considerou a hipótese de um terremoto ter desencadeado o evento, mas a falta de evidências geológicas de abalos sísmicos por volta do ano de 1190 torna essa explicação menos provável, porém não impossível.

Utilizando técnicas de datação por isótopos como o cloro-36 e o carbono-14, a equipe datou os sedimentos do movimento de massa. Os sedimentos são caracterizados como brecha, um acumulado compacto de rochas pulverizadas durante o colapso do cume do Annapurna IV, ainda presentes em porções dissecadas do terreno abaixo da montanha. A interpretação dos dados coletados é de que o colapso ocorreu de uma vez só, criando o planalto que, séculos depois, permitiu o assentamento de populações.


figure 2 of lavé et al.
Fácies de depósitos. As fotos a–f, tiradas de um avião ultraleve, mostram detalhes do deslizamento. A imagem a exibe brecha compacta e pulverizada em penhascos de 200 metros de altura. Nas imagens b e c, observa-se uma camada de material grosseiro coberto por brecha pulverizada de grão fino. As fotos c e d destacam contatos internos entre facies de brecha cinza e amarela, originadas da formação de Calcário Amarelo de Annapurna, com ordem invertida, sugerindo pouca mistura durante o colapso. Na imagem d, vê-se o contato na base sul do depósito, onde amostras foram coletadas. A imagem e revela estratos de calcário preservados, enquanto a f exibe depósitos de brecha preservados até 4.350 metros no flanco norte do circo. A última foto, g, mostra amostras serradas de brecha compacta expostas na parte basal do depósito. Fonte: Lavé et al., 2023.


Implicações para a Paisagem e Riscos Naturais

Além de contribuir para a compreensão da evolução das montanhas, o artigo também traz importantes implicações para os riscos naturais e a evolução das paisagens.

Sedimentos do deslizamento medieval ainda estão presentes nas encostas acima da cidade de Pokhara, e eventos de chuva intensa ou terremotos podem desencadear novos deslizamentos, ameaçando a infraestrutura e as rotas de transporte da região. A quantidade massiva de rochas e sedimentos deslocados pode ter impactado diretamente os rios da região por séculos, sobrecarregando seu fluxo e modificando a topografia dos vales.

Eventos como esse mostram o poder destrutivo da natureza e os impactos de longo prazo, ainda presentes, que podem ter em grandes áreas habitadas ou com atividade econômica significativa.

Em grandes altitudes, os deslizamentos e quedas de rochas podem ser um mecanismo crucial na limitação do crescimento das montanhas. Com a diminuição do impacto das geleiras, a gravidade e a instabilidade das encostas parecem assumir o controle, desencadeando eventos catastróficos como o que possivelmente ocorreu no Annapurna IV.

Com mais investigações geológicas e o avanço do conhecimento do Himalaia, será possível entender os ciclos geológicos que moldam os picos mais altos do planeta e os riscos que eles podem representar, ainda hoje.


DTMs for Annapurna IV
Modelos digitais de terreno gerados para a análise da superfície de ruptura da avalanche de rochas, da distribuição dos depósitos de brecha e estimativa topográfica do material deslocado e da conformação original do Annapurna IV. Fonte: Lavé et al. (2023).


Saiba mais

  1. Lavé, J., Guérin, C., Valla, P.G., Guillou, V., Rigaudier, T., Benedetti, L., France-Lanord, C., Gajurel, A.P., Morin, G., Dumoulin, J.P., Moreau, C., & Galy, V. (2023). Medieval demise of a Himalayan giant summit induced by mega-landslide. Nature, 619(7968), 94-101. DOI: 10.1038/s41586-023-06040-5.
  2. A Gigantic Landslide Shows the Limit to How High Mountains Can Grow. The Economist, 6 de julho de 2023. Link para a reportagem.
  3. Sidik, S. M. (2023). A massive landslide beheaded one of the world’s highest peaks, Eos, 104. DOI: 10.1029/2023EO230300. Publicado em 7 de agosto de 2023.



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