A geologia nos proporciona descobertas impressionantes, e um exemplo recente é a pesquisa sobre o fluxo submarino Bed 5, que ocorreu há cerca de 60.000 anos no Cânion de Agadir, ao largo da costa do Marrocos. Essa pesquisa revelou detalhes fascinantes sobre como pequenos deslizamentos submarinos podem desencadear eventos catastróficos, transportando enormes quantidades de sedimentos por longas distâncias. O caso do Bed 5 demonstra como a adição de lama a um fluxo submarino pode impulsionar seu crescimento e eficiência de transporte, criando um movimento capaz de varrer tudo em seu caminho.
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Cânion Agadir e o caminho do fluxo de massa submarino. |
O Início de Tudo
O evento Bed 5 começou com um deslizamento relativamente pequeno, de apenas 1,5 km³ de volume, localizada no afluente sul do Cânion de Agadir. Embora pareça insignificante à primeira vista, este evento deu início a um processo de crescimento exponencial, conhecido como bulking, à medida que o fluxo erodia sedimentos ao longo de seu caminho. Ao final de sua jornada, o fluxo havia crescido mais de 100 vezes, atingindo 162 km³ de volume, após percorrer mais de 2.000 km no fundo do oceano.
O fluxo submarino foi caracterizado por erosões localizadas na margem do cânion, sem deixar cicatrizes visíveis na batimetria submarina. Isso sugere que o deslizamento foi relativamente raso, o que dificultou sua detecção por métodos convencionais. No entanto, os pesquisadores foram capazes de estimar seu volume com base em comparações com outros eventos semelhantes, como o fluxo submarino de Grand Banks, de 1929, e na análise detalhada da morfologia do cânion.
Como Funciona o Bulking?
O bulking é o processo pelo qual um fluxo gravitacional de massa cresce à medida que erode sedimentos ao longo de seu caminho. Este fenômeno ocorre, por exemplo, nos fluxos de detritos (corridas de massa), nas avalanches de neve e nos fluxos submarinos.
No caso do Bed 5, esse processo foi impulsionado principalmente pela erosão de lama do assoalho oceânico, um sedimento que aumenta a eficiência do fluxo. A lama é composta por partículas finas, como argila e silte, que têm baixas velocidades de sedimentação e, portanto, permanecem em suspensão por longos períodos. Isso mantém o fluxo denso e veloz, permitindo que ele transporte partículas maiores, como areia, por distâncias muito maiores do que se o fluxo fosse composto apenas por sedimentos mais grosseiros.
Além disso, a lama tem propriedades coesivas que permitem a formação de um fluxo com maior capacidade de transportar materiais de maior granulometria. Em termos práticos, isso significa que o fluxo pode continuar erodindo e aumentando de volume, sem perder eficiência, por milhares de quilômetros.
Morfologia do Cânion e o Fluxo
O Cânion de Agadir tem uma grande área de seção transversal, que chega a 36 km² em alguns trechos, permitindo que o fluxo crescesse sem perder material pelas margens. Esse confinamento ajudou a manter a velocidade do fluxo elevada ao longo de todo o cânion levando à dispersão dos sedimentos para além da desembocadura, chegando a 2.000 km de distância, algo que não seria possível em cânions menores ou menos profundos.
Além disso, o declive do cânion diminui progressivamente, de 1° a 4° nas regiões iniciais para apenas 0,3° ao longo de 350 km. Normalmente, esse declive suave reduziria a velocidade de um fluxo, mas a alta densidade e a capacidade de erodir sedimentos mantiveram o Bed 5 em movimento rápido e constante. Estima-se que as velocidades do fluxo no fundo do cânion tenham variado entre 13 e 22 m/s, comparáveis aos maiores eventos de deslizamentos e fluxos submarinos já registrados.
As laterais do cânion foram erodidas pelo fluxo, com transporte de sedimentos grossos, deposição de cascalho nas margens até 130m acima do assoalho do cânion. O fluxo atingiu altura de 200m, erodiu até 30m do leito do cânion e atingiu larguras de 15km.
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Percurso do fluxo submarino: do cânion à Bacia de Agadir, 2.000km. |
O Combustível para o Crescimento do Fluxo
A lama foi, sem dúvida, o principal combustível que permitiu o crescimento do Bed 5, desempenhando um papel crucial ao aumentar a densidade e a capacidade de transporte do fluxo. No Cânion de Agadir, os sedimentos remobilizados eram predominantemente lamas, o que facilitou o processo de erosão e aumentou a capacidade do fluxo de transportar grandes volumes de sedimentos ao longo de distâncias extremas.
A pesquisa sugere que a lama foi responsável por evitar que o fluxo atingisse o limite de sua capacidade de transporte. Como a lama permanece em suspensão por longos períodos, o fluxo continuou a ganhar volume, sem perder velocidade ou eficiência. Isso permitiu que o Bed 5 crescesse indefinidamente, sendo limitado apenas pela disponibilidade de sedimentos e pela própria morfologia do cânion.
Implicações e os Riscos Geológicos
O evento Bed 5 oferece uma visão importante sobre os riscos geológicos associados aos fluxos de gravidade submarinos. Esses eventos têm o potencial de destruir infraestruturas submarinas críticas, como cabos de internet, que transportam grande parte do tráfego global de dados. A eficiência do bulking em fluxos submarinos significa que pequenos deslizamentos podem se transformar em movimentos maiores, como o Bed 5, com volumes de sedimentos superiores a 100 vezes o volume inicial, com grande poder de destruição.
Além disso, o estudo ressalta que fluxos submarinos são mais propensos a crescer significativamente em comparação com fluxos terrestres, devido à maior capacidade de erodir e transportar sedimentos. Isso destaca a necessidade de modelar e prever eventos submarinos com mais precisão, especialmente em áreas onde a infraestrutura submarina é crítica para a economia global.
Saiba Mais
Se você quer entender mais sobre o evento Bed 5 e como ele foi estudado, confira a publicação completa:
- Stevenson, C., Bottner, C., et al. "Extreme erosion and bulking in a giant submarine gravity flow." Science Advances, 21 Aug 2024, Vol 10, Issue 34, DOI: 10.1126/sciadv.adp2584.