Privacidade e Fotografias em Relatórios Técnicos: A Importância da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)

A inclusão de fotografias em relatórios, laudos e pareceres técnicos para fins de ilustração é uma prática comum em diversas áreas profissionais, inclusive nas geociências e áreas correlatas.


Exemplo de fotografia que poderia ser inserida em um relatório em que aparecem pessoas.
Exemplo de fotografia em que retrata pessoas que poderia ser inserida em um relatório geológico-geotécnico. Deslizamento ocorrido em 12 de Dezembro de 2014 na Indonésia, Jemblung Hamlet, subdistrito de Karangkobar, Distrito de Banjarnegara, Província de Java Central. Fonte: Imaggeo 2014


O que acontece quando as fotografias de um relatório, por exemplo, mostram pessoas?

Minha pesquisa à legislação e páginas pertinentes sobre o assunto, como a do Ministério Público Federal, tenta abordar a temática de apresentar fotografias contendo pessoas. Aqui não são abordadas as questões dos direitos autorais das fotografias e temas correlatos.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 - LGPD), que entrou em vigor em setembro de 2020 no Brasil, regula a proteção de dados pessoais e traz aspectos importantes a serem considerados ao lidar com dados pessoais, incluindo imagens fotográficas, especialmente as que possam identificar indivíduos direta ou indiretamente. Ela representa um marco significativo na proteção dos direitos fundamentais de liberdade, privacidade e desenvolvimento pessoal.

Assim, no contexto de relatórios técnicos, é necessário considerar a privacidade das pessoas que podem ser identificadas ou reconhecíveis por meio de fotografias utilizadas nesses documentos.

Em geral, é preciso garantir o consentimento prévio e explícito das pessoas que estão sendo fotografadas, especialmente se houver a possibilidade de identificação, mesmo que indiretamente. É também fundamental garantir a anonimização ou pseudonimização das imagens sempre que possível, ou seja, a ocultação de características que permitam a identificação direta ou indireta dos indivíduos nas fotografias, práticas recomendadas para garantir a conformidade com a LGPD.


É necessário considerar a privacidade das pessoas que podem ser identificadas ou reconhecíveis por meio de fotografias utilizadas nesses documentos.


O que São Dados Pessoais?

Os dados pessoais são informações que geralmente fornecemos em cadastros, como nome, RG, CPF, dados de identificação, contato e financeiros. Além disso, incluem informações que nem sempre são conscientemente compartilhadas, como localização via GPS, fotos, registros médicos, padrões de consumo, endereço de IP e cookies. Estes também são considerados dados pessoais devido à sua capacidade de identificar ou estar vinculados a uma pessoa específica.

Conforme a LGPD, art. 5º, I, dado pessoal é a informação relacionada a pessoa natural identificada ou  identificável. Este conceito é composto por quatro elementos:

Elementos do Dado PessoalInformaçãoPode ter natureza objetiva (ex. idade) ou subjetiva (ex. o devedor X é confiável).
Relacionada aUm dado pode ser considerado relacionado a um indivíduo se ele diz respeito a um dos seguintes critérios:
(i) se relaciona a um conteúdo sobre o indivíduo;
(ii) tem a finalidade de avaliar um indivíduo ou seu comportamento; ou
(iii) tem um impacto sobre interesses ou direitos do indivíduo.
Pessoa NaturalPara ser pessoal, a informação deve estar relacionada a um indivíduo humano.
Identificada ou Identificável“Identificada” significa que a ligação ao indivíduo é feita de forma direta, como pelo tratamento de seu nome completo ou sua foto. Como “identificável”, a ligação é indireta, e um processo de cruzamento de dados pode ser necessário para a identificação. Isto contudo não elimina a caracterização do dado como dado pessoal.

Fonte: Guia de Boas Práticas LGPD


A LGPD estabelece algumas categorias e subcategorias de dados, incluindo:
  1. Dados Pessoais: São informações relacionadas a uma pessoa natural identificada ou identificável. Exemplos incluem nome, endereço, CPF, RG, e-mail, entre outros.
  2. Dados Pessoais Sensíveis: São dados que revelam informações sobre a origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, filiação a sindicatos, dados genéticos, biométricos, dados de saúde ou vida sexual, entre outros, cujo tratamento exige cuidados específicos devido ao seu potencial de gerar discriminação ou violações graves à privacidade.
  3. Dados Pessoais de Crianças e Adolescentes: São considerados uma categoria específica de dados pessoais com considerações e proteções especiais devido à sua natureza mais sensível e à necessidade de proteção adicional desses indivíduos jovens. Exige o consentimento dos pais ou responsáveis legais para o tratamento desses dados.
  4. Dados Anonimizados: São dados que não permitem identificar o titular sem a utilização de informações adicionais, sendo processados de forma a não serem passíveis de associação com uma pessoa específica.
  5. Dados Pseudonimizados: Referem-se a dados em que se aplica técnicas para substituir os dados identificadores por códigos ou pseudônimos, tornando mais difícil a identificação do titular, mas ainda assim permitindo associação com a pessoa por meio de informações adicionais mantidas separadamente.
Essas categorias ajudam a diferenciar os tipos de dados e a estabelecer medidas específicas de proteção, considerando o nível de sensibilidade e o potencial impacto na privacidade e nos direitos individuais dos titulares dos dados. A LGPD define regras e obrigações específicas para o tratamento de cada uma dessas categorias, visando garantir a proteção adequada dos dados pessoais e sensíveis.


Outra situação em que a fotografia possível de estar em um relatório geológico-geotécnico contendo pessoas identificáveis. Deslizamento ocorrido em Mauá (SP) em 05 de Janeiro de 2011 provocando duas mortes. Fonte: CBN SP@Flicker

Fotografias como Dados Pessoais

Como vimos, o conceito de dado pessoal é abrangente e inclui informações relacionadas a uma pessoa natural identificada ou identificável. Assim, nem toda fotografia em que aparece uma pessoa é automaticamente considerada um dado pessoal. Por exemplo, uma foto em que uma pessoa não está claramente identificável, como uma multidão onde não se pode distinguir indivíduos, pode não ser considerada um dado pessoal.

Isso significa que apenas as fotografias que permitem a identificação direta ou indireta de um indivíduo são consideradas dados pessoais, independentemente da origem da captura, seja por drones, câmeras fotográficas convencionais ou outros meios tecnológicos.


Fotografias que permitem a identificação direta ou indireta de um indivíduo são consideradas dados pessoais.


Além disso, desde que individualizando e permitindo a identificação de pessoas, as fotografias por si só e, especialmente, quando associadas a outros dados, como contexto temporal, geolocalização ou outras informações identificáveis, podem ser consideradas como dados pessoais sensíveis, pois podem revelar características físicas, étnicas, biológicas ou outras informações sensíveis sobre a pessoa na imagem.


Desde que individualizando e permitindo a identificação de pessoas, as fotografias [...] podem ser consideradas como dados pessoais sensíveis, pois podem revelar características físicas, étnicas, biológicas ou outras informações sensíveis sobre a pessoa na imagem.


Portanto, o tratamento das fotografias podem ser feitas, dependendo de seu conteúdo, como dados pessoais sensíveis, o que requer cuidados adicionais de acordo com a legislação de proteção de dados, exigindo uma proteção mais rigorosa e a aplicação de medidas de segurança apropriadas para garantir a privacidade e a proteção dos direitos dos titulares das fotos. Desde que configurados como sensíveis, esses dados são íntimos, o seu uso indevido pode levar à discriminação de uma pessoa ou de um grupo de pessoas.


O Que a LGPD Fala Sobre Consentimento?

O consentimento é um dos princípios fundamentais da proteção de dados e deve ser obtido de forma clara, específica e livre, ou seja, o titular dos dados deve ser informado sobre como seus dados serão usados (para qual finalidade) e ter a liberdade de consentir ou não com esse uso. O consentimento também deve ser dado de forma expressa.

A obtenção de consentimento dos indivíduos retratados nas fotografias é essencial, tanto naquelas consideradas como dados pessoais, quanto para aquelas consideradas dados pessoais sensíveis, a menos que haja uma base legal que justifique o tratamento das imagens sem esse consentimento. De acordo com o publicado no website destinado à LGPD do Ministério Público Federal:


[Sem o consentimento] A chave é agir de forma responsável e proporcional, evitando causar danos injustificados ao titular.


As situações em que o consentimento pode não ser necessário para o uso deste tipo de dados são previstas na LGPD em seus artigos 7º, para dados pessoais que não são sensíveis, e 11º, para os dados sensíveis, que listam as hipóteses em que o tratamento de dados pode ser realizado sem o consentimento do titular, desde que observadas as demais disposições da lei e respeitados os direitos do titular dos dados.

Para dados pessoais sensíveis, condição mais protetiva, seguem alguns exemplos de casos permitidos de tratamento sem o consentimento dos titulares dos dados, conforme o Artº 11:

  • Cumprimento de obrigação legal ou regulatória: Em algumas circunstâncias, a lei pode exigir o uso de certos dados pessoais, como por motivos de segurança pública ou para cumprir determinadas obrigações legais, desde que dada publicidade à referida dispensa de consentimento.

  • Tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos: quando esses dados são necessários para a execução de políticas públicas definidas em leis ou regulamentos. Esse tipo de tratamento visa garantir que os órgãos e entidades governamentais possam colaborar na realização de políticas públicas específicas, utilizando os dados necessários para atingir tais objetivos. Será dada publicidade à referida dispensa de consentimento.

  • Realização de estudos por órgão de pesquisa: Permite que os órgãos de pesquisa utilizem dados pessoais sensíveis para estudos científicos, sociais ou acadêmicos, contanto que busquem, na medida do possível, anonimizar ou pseudonimizar esses dados.

  • Proteção da vida ou incolumidade física: O tratamento de dados sensíveis é autorizado quando imprescindível para a proteção da vida ou da integridade física do titular dos dados ou de terceiros.

  • Exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral: Os dados sensíveis podem ser tratados se forem essenciais para a defesa ou alegação de direitos da parte envolvida; podem ser tratados durante procedimentos arbitrais quando necessários para a resolução de disputas; para cumprir obrigações contratuais ou para exercer direitos estabelecidos no contrato, desde que seja estritamente necessário para tal finalidade.


É importante ressaltar que as exceções ao consentimento devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com a legislação de proteção de dados vigente e devem ser utilizadas de forma restrita e proporcionada.

Em qualquer caso, é fundamental que as organizações e indivíduos que lidam com dados pessoais estejam cientes das leis de proteção de dados aplicáveis e ajam em conformidade, respeitando os direitos dos titulares dos dados e adotando medidas adequadas para garantir a segurança e a privacidade desses dados.


Outro exemplo de fotografia que poderia constar de um relatório geológico-geotécnico retratando pessoas obviamente identificáveis além de outros atributos que podem ser extraídos da análise da fotografia e da localização geográfica. Deslizamento ocorrido em Mauá (SP) em 05 de Janeiro de 2011 provocando duas mortes. Fonte: CBN SP@Flicker


Tratamento de Dados Pessoais Fotográficos

Sobre tratamento de dados importante destacar primeiro que a LGPD não se aplica em relação ao tratamento de dados pessoais para fins privados e não comerciais, assim como para fins jornalísticos, artísticos ou acadêmicos (observando os artigos 7º e 11º). Estes últimos visando equilibrar a liberdade de expressão, a liberdade artística e acadêmica, respectivamente, com a proteção de dados pessoais.

As exceções não dizem respeito do tratamento das fotografias que retratam pessoas identificáveis em relatórios técnicos e documentos similares que deve seguir os princípios estabelecidos pela LGPD, como a necessidade, adequação e finalidade específica do uso. A coleta e inclusão dessas fotografias devem ter um propósito legítimo, explicitamente informado aos titulares das imagens. Medidas de proteção devem ser implementadas para garantir a integridade, confidencialidade e disponibilidade das fotos inseridas nos relatórios técnicos. 

A proteção da privacidade das pessoas retratadas nas fotografias de documentos técnicos não apenas está em conformidade com a legislação, mas também promove uma cultura de respeito aos direitos individuais e à segurança dos dados pessoais, aspectos fundamentais em um mundo cada vez mais orientado pela proteção da privacidade e da segurança da informação.

A responsabilidade pelo tratamento adequado, segurança e adequação das imagens fotográficas em relatórios técnicos e outros documentos recai sobre o responsável pelo documento, que deve assegurar que a coleta, o armazenamento, o uso e o compartilhamento das fotografias estejam em conformidade com os princípios e requisitos estabelecidos pela lei.

Se houver compartilhamento das fotografias contidas nos relatórios técnicos, é importante informar de maneira clara e transparente aos titulares sobre como, quando e por que suas imagens estão sendo compartilhadas, respeitando as disposições da LGPD.

A LGPD prevê sanções para o não cumprimento das disposições legais relacionadas à proteção de dados pessoais, o que, portanto, inclui as imagens fotográficas utilizadas indevidamente em relatórios técnicos sem o devido consentimento ou sem as medidas de segurança adequadas para proteger a identidade das pessoas nelas representadas.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) desempenha um papel central de fiscalização e aplicação de penalidades pela não conformidade com a LGPD. As organizações têm responsabilidades específicas, como o estabelecimento de agentes de tratamento de dados, incluindo o controlador, o operador e o encarregado. Além disso, é exigido um rigoroso protocolo de segurança e gestão de riscos para proteger os dados pessoais, evitando falhas que possam resultar em multas consideráveis para as organizações infratoras.


Considerações Finais

A LGPD estabelece um arcabouço jurídico fundamental para garantir a proteção da privacidade das pessoas em relação ao uso de suas imagens. Respeitar a legislação não apenas garante a conformidade legal, mas também promove uma cultura de respeito aos direitos individuais e à segurança das informações pessoais em um mundo cada vez mais digital e interconectado.

A utilização de fotografias em relatórios, laudos e pareceres técnicos requer cuidado, quando mostram pessoas que possam ser identificadas, sendo enquadradas como dados pessoais sensíveis. Entretanto, se uma fotografia não contém informações que permitam identificar uma pessoa natural, ela não é considerada um dado pessoal nos termos da LGPD.

Muitas vezes não há possibilidade de registrar fotograficamente sem a presença de pessoas, dependendo do tema abordado no documento técnico, de forma que é possível utilizar-se de estratégias para minimizar a exposição das pessoas retratadas, respeitando sua privacidade e protegendo seus dados pessoais, sejam eles identificáveis ou não.

Algumas estratégias para minimizar a exposição ou identificação de pessoas em fotografias podem incluir:

  1. Anonimização ou desidentificação: É possível utilizar técnicas para ocultar ou borrar rostos, alterar características físicas ou eliminar informações que possam identificar as pessoas nas imagens.
  2. Fotografar de forma a evitar a identificação: Usar ângulos que não mostrem claramente o rosto das pessoas, ou fotografar de maneira a destacar elementos não identificáveis, como silhuetas ou detalhes que não revelam a identidade.
  3. Consentimento explícito: Sempre que possível, obter consentimento das pessoas retratadas para o uso da imagem, mesmo que elas não sejam identificáveis. Isso pode ser feito através de contratos de licença de imagem ou termos de uso.
  4. Contextualização da imagem: Utilizar a imagem de maneira contextual, focando em elementos ou objetos relevantes ao invés das pessoas presentes, se o objetivo for destacar outros aspectos que não envolvam a identificação das pessoas.
  5. Limitação na divulgação: Se não for estritamente necessário, evitar a divulgação ampla ou o uso público das imagens que possam expor pessoas de forma desnecessária. 


Existem casos específicos, como as pesquisas acadêmicas e quando os dados pessoais são utilizados pelo poder público, que têm previsão legal e seguem especificidades próprias que devem ser consideradas e consultadas.

Outra ressalva não abordada neste artigo é o direito de imagem que permanece ativa mesmo nos casos de exceção à LGPD mencionados. Alguns recursos são apresentados no fim deste artigo que podem ser acessados, ampliando a pesquisa sobre o tema.

E por fim, é fundamental reconhecer que a interpretação e aplicação das leis, especialmente no contexto da proteção de dados, podem ser complexas e sujeitas a diferentes pontos de vista. Enquanto a LGPD no Brasil estabelece diretrizes claras para o tratamento de dados pessoais, sua aplicação prática pode variar dependendo do contexto específico, das circunstâncias individuais e das interpretações legais. Diferentes especialistas podem ter visões distintas sobre a melhor abordagem para cumprir as disposições da lei. Portanto, é recomendável buscar orientação legal qualificada e considerar diversas fontes de informação para garantir o cumprimento adequado da legislação e a proteção eficaz dos direitos dos titulares dos dados, levando em conta as nuances e particularidades de cada situação.


Para Saber Mais

  1. Lei Nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018
  2. Ministério Público Federal - LGPD
  3. ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados
  4. ANPD - Guia - Tratamento de Dados Pessoais para Fins Acadêmicos
  5. ANPD - Guia - Tratamento de Dados Pessoais pelo Poder Público
  6. A LGPD e o Direito de Imagem
  7. Proteção de dados pessoais no uso de imagem e voz por organizações da sociedade civil
  8. Imagem, dado pessoal sensível?


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